segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Feng Zhiquiang




Reza uma lenda que na China antiga, entre os guerreiros mais famosos estava Feng Zhiquiang, vamos chamá-lo de Fong. Onde de todas as batalhas que se travava, sempre estava entre os grandes; a elite do exército.


05h15min madrugada, meng.


Sol brilhoso, primeiros raios surgindo no horizonte, Fong está desperto meditando no alto da colina ao sul do acampamento. Estava em campanha militar fazia seis dias, tinha sido chamado na urgência de unir-se às forças do exército com seus companheiros, com fim de submeter o reinado de On Tong Leong à dinastia Cho. Mas, nada disso era importante para Fong que observava ao longe montanhas cobertas de gelo. No pasto, ao sul da colina, estava o rebanho para suprimentos do exército; ao norte o inimigo. Porém, ele estava ali meditando intensamente – “Não chegamos a tempo de evitar as últimas mortes”, o silêncio da meditação foi quebrado por esse pensamento - “Shiiii” – sua mente divagava com tal intensidade que os músculos sobre a escápula se enrijeciam.


Levantou-se com o sol em 15° em relação ao horizonte, sobre as costas jogou o saco com as ervas e raízes que havia levado para mastigar enquanto lutava contra o frio. O dia foi tenso. A noite foi de expectativa. Reuniões de estratégia para a investida. O som de aviso do sentinela quebrou o pensamento militar. Eles estavam embaraçados. O inimigo sabia. O ataque foi estonteante aquela noite.


Fong agilmente tomou suas armas saindo da tenda com olhos de pupilas dilatadas. Seus soldados entreolhavam-se tentando se agrupar; ouviram seu grito como se fosse um sussurrar ao pé da orelha, seus ouvidos estavam esperando por isso. Fong se aproximou dos cavalos, os homens já estavam alinhados correndo em sua direção. Sem olhá-los saiu rapidamente entre o acampamento gritando suas ordens, a certeza de que eles estariam ao seu redor era tão grande que desprovia qualquer verificação. Entraram no campo vasto de uma vegetação extremamente esverdeada. Ponto alto de batalha. Suas espadas desferiam golpes certeiros. Apenas algo estava errado, o exército sem motivação estava sendo dizimado e seus homens e cavalos feridos. Uma brecha na investida do inimigo. Ocultou-se com seus soldados. A sede de sangue foi abafada pelos batimentos do coração que se enchia de medo – “Como fazer?” – Seus homens esperavam angustiante uma palavra, só que ele não tinha mais nenhuma. Os homens de On atearam fogo no acampamento e saíram em retirada. Quando as pernas pararam de tremer e o coração se assentou. Fong se levantou com um olhar trêmulo e caminhou em direção às tendas.


4 Meses depois.


A retirada tinha sido vergonhosa. A investida militar para aquelas regiões ao norte adiada. A vergonha da derrota era maior em Fong, pela primeira vez em sua vida o medo dominara seu pensamento sóbrio - “Primeira vez mesmo?” – estava abalado, visivelmente depressivo, ordenou aos homens retornarem aos seus lares e verem suas mulheres. Em uma madrugada, quando a lua chegou ao seu ápice, levantou-se e caminhou em direção ao Norte, não em direção a On, mas sim em direção àquelas montanhas sublimes que tinha visto depois dos pastos verdejantes.


A caminhada dura o fez esquecer o que os seus conterrâneos pensariam de seu sumiço repentino – “Traição”, “Covardia”, “Fuga” – se silenciou no caminhar. As esperanças ficaram em sua casa e em busca do nada caminhava lentamente.


Dessa caminhada não vale ressaltar os devaneios. E sim o homem que ele conheceu na metade da árdua subida da montanha. Sun morava na parte em que a trilha da montanha fazia uma espécie de planície. Ali Fong entrou para pedir descanso da caminhada e acabou por habitar.


Um dia acordou antes do raiar do sol e sentiu saudades de meditar, levantou-se pegou as ervas e raízes costumeiras; notou a falta de Sun – “Sempre está de pé quando acordo com o café da manhã pronto, talvez esteja colhendo folhas para o chá.” – andou em direção às árvores que ficavam de frente para o lado da montanha, onde veria todo o vale dali. Assentou-se, mastigou algumas ervas, notou Sun um pouco mais distante em profunda meditação. Surpreendeu-se, todavia o omitindo traçou caminho para o seu interior. Seus olhos fechados demonstravam a pressão que fazia para concentrar-se, o incomodar do pescoço e a rigidez das costas denunciou seus pensamentos. Extasiado desequilibrou com uma forte dor na orelha esquerda. Voltou-se de pronto. Olhos esbugalhados em busca do que o atingira. Viu Sun ajoelhado a sua frente.


- Você chama essa desordem mental de meditação. Seus pensamentos são tão altos que me incomodaram ao longe. O que aflige seu espírito, guerreiro?


Desabafo confuso. Sun compadeceu-se de seu amigo. E disse-lhe:


- Se queres ser invencível, precisa conhecer-te a ti mesmo. Dominar-se. Nunca poderá guerrear se desconheces ou omites seus próprios medos e fortalezas. Pense nisso.


Fong era instável. Uma oscilação entre esperança e descrença, entre fé e dúvida, medo e coragem, determinação e fraqueza. Era uma bomba por si só, um perigo para quem nele confiava. Claro que sobre tudo era um ótimo interprete, pergunte aos que o cercavam sobre ele, nunca desconfiaram de suas fraquezas, e por mais que desconfiassem um dia, eram confundidos em outro pelo seu olhar determinante. Inconscientemente tinha entendido que não podia viver suas ambições sem se encontrar. Eis o medo do homem, a desejada e enojada fuga. Lembro-me, em um parêntesis na narração, das expressões – “Como gostaria de começar tudo de novo” “Se pudesse sumiria” etc., a fuga é o sonho dos ocupados e o medo de ser taxado como covarde. Porém, hoje vemos milhares e milhares de pessoas espalhadas pelo globo, feridas em seus interiores trajando insígnias e conduzindo outras. Mas, por que não ir para a enfermaria? Por que não omitir-se à guerra para não morrer enquanto ainda caminha para ela? Lembro da voz de Sun dizendo a Fong à colher as folhas do chá – “Triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando não lutar.” Omitir-se faz parte da estratégia de guerra. E conhecer-se é tão importante quanto liderar bem.


O medo de Fong o afligia, a inquietação de seus pensamentos proibia sua concentração. Como um homem em guerra interior pode vencer uma guerra exterior? Sun, sempre pacientemente destacava – “A invencibilidade é uma questão de defesa, a vulnerabilidade, uma questão de ataque. Em situações de defesa, cales as vozes e elimine os cheiros, escondidos como fantasmas e espíritos sob terra, invisíveis para todo o mundo. Em situações de ataque, vosso movimento é rápido e vosso grito fulgurante, veloz como o trovão e o relâmpago, para que teus adversários não possam se preparar, mesmo que venham do céu.”


Fong aquietou-se, com extrema insistência aprendeu a silenciar seus pensamentos, controlar seus medos. Como disse outro Mestre séculos depois “ame ao seu próximo, como a ti mesmo.” Sobra-nos somente uma questão: Como amar, dedicar-se a alguém, se nem eu mesmo sem quem eu sou, ou não me sinto completo em relação a mim próprio?


Sun dizia durante os passeios até o cume do monte – “Se conheceres a ti mesmo e a teus inimigos, sairás vencedor de todas as batalhas; se conheceres a ti e não conheceres teus inimigos, perderás uma batalha e ganharás as outras; porém, se não conheceres a ti e nem a teus inimigos, certamente perderás todas as batalhas.”


Fong um dia levantou-se ao ápice da lua, pegou algumas ervas e saiu à porta da habitação. Olhou ao longe o cume das montanhas congeladas, pegou sua espada que há tempos estava enrolada em tecidos de seda branca e saiu caminhando para o lugar onde fazia as meditações, os pensamentos eram mais controlados, a atenção estava subjugada, os olhos fixos nas geleiras, ajoelhou-se, fez reverência com a espada na frente do rosto e foi levado em seus pensamentos às lembranças mais incomodas da sua vida, naquele dia travou sua mais horrenda guerra.


O sol raiou.


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As lendas sempre são extremamente cativantes e longas, talvez voltemos na história de Feng outro dia. Agora já é tarde, boa noite.




p.s: Referências a serem postadas, estou organizando-as.

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