domingo, 26 de setembro de 2010

A arte da mendicância



Descobri o que tenho em comum com os mendigos e andarilhos. Há muito tempo reservo um tempo para falar com um ou outro, claro nem sempre tão prevísivel esses encontros. Mas quando acontecem é maravilhoso o diálogo que se inicia. Muitas vezes nem é um diálogo e sim um monológo. Descobri que meus "anfitrões" gostam de falar, porém não é qualquer coisa. Gostam de histórias. Não qualquer história. A própria história.

Conheci ex-professores de faculdade, ex bons pais e maridos, ex religiosos, alguns porém trazem da história das suas "andanças" não "ex-coisas" mas aventuras, desventuras, causos etc. Eles não tem ninguém, também ninguém lhes perpetuará o nome, serão esquecidos quando morrerem sendo enterrados como renegados, suas famílias não terão notícias, não haverá ninguém que lhes reserve no mundo um espaço de honra e glória. Por isso, sempre que eles vêem alguém com segundos de tempo disponível, rapidamente começam a contar algo, algo seu, próprio, como se fosse uma tentativa de fazer que através da memória de alguém sua própria memória permanecesse após sua morte.

É claro, que você não entenderá isso. A não ser que tenha tido uma história que por outros ou por suas decisões foi apagada, com o fim de exterminarem o seu rastro, para que os que te conheceram ou os novos naquele ambiente se esqueçam ou nem te ouçam.

Entendia essa necessidade dos mendigos e andarilhos, porém agora compartilho com eles isso. Na tentativa de que em um blog, tão inútil como esse, uma parte da minha história se perpetue segue-se o seguinte texto:

Quando fiz 17 anos minha vida já tinha sido marcada por muitas experiências, até aquela data nunca tinha conhecido meus irmãos e por isso considerava alguns amigos como meus maiores irmãos, e os admirava como irmão mais novo faz ao ver o mais velho. Nisso muito tenho a agradecer ao Daniel, ao Nielson e a Carolina. Grandes irmãos que a vida me deu. Aos 18 conheci vários grupos de missão evangelística pelo mundo, fiz treinamentos, viagens etc. Nessa idade de menino fizemos um grupo e começamos a evangelizar, o trabalho cresceu, muitas vidas se transformaram. Mas nossa imaturidade e falta de um líder religioso mais velho para nos ensinar fez que cometecemos erros rídiculos e vergonhosos. Fui ungido a alguns patamares a mais. E convocado para trabalhar na rede de jovens de uma grande igreja de taguatinga. Conheci grandes pessoas que foram grandes amigos naquela época, pena que pelas suas escolhas tomaram rumos em que eu não seria para o mesmo convidado. Grande época, com grande acontecimentos. Um dia um líder me falou coisas absurdas, eu como estúpido que sou com estupidez lhe respondi. Não havia mais espaço em mim para desumanidade. Aprendi coisas que nunca gostaria de ao menos ter ouvido. Porém, coisas boas também aprendi. Não muitas. Mas aprendi.

Depois desse acontecimento minha visão já aberta, se tornou agora irritante e inquietante. A fé era grande e por isso resolvi tentar mais uma vez. Sempre disse que tinha inimigos, ninguém acreditou. Sempre disse que líderes me queriam ver pelas costas, ninguém acreditou. Sempre quis contar a verdade sobre as coisas horríveis que fizeram a mim e a minha mãe, mas ninguém quis ouvir. Minha fé morreu e com ela minha história. Aquele grande menino zé ninguém se tornou o que nunca existiu. É possível o nada se tornar algo pior? Sim, o que é considerado nada, ainda sim por ser considerado, algo ainda ele é. Agora quando algo que é nada é feito ser esquecido, nada não pode ser. Por que nada nunca aconteceu. É assim que se matam um história, assim que se surge os andarilhos, os mendigos ou caras como eu, que mortos pela religião depois ainda são silenciados pela morte de sua passagem nela. É por isso que nada mudará na igreja, por que não registros das aberrações que ocorreram, não há fato, não há causo, não há nada. Nunca aconteceu nada. Nunca ninguém falou nada. Nunca ninguém fez nada. Mas os verdadeiros "Ninguéns" sabem o que ocorreu, conhecem a história e se um dia alguém resolver escutar, talvez o que não existe, exista. E haja motivo para uma renovação da religião.




Boa noite.



Bruno Lobo