A cidade amanheceu fria e em um cinza que anunciava chuva.
Não qualquer chuva, mas aquela chuva suja, cheio de resíduos acumulados pela
poluição e seca de mais de cem dias sem chover. Apanhar o trânsito para o
trabalho de moto é sempre um desafio, ele se vestiu de inúmeros agasalhos e
fazendo uma prece ligou a magrela e partiu.
O caminho era tão comum que sua mente nem mais se ligava no
que passava. Como se estivesse no piloto automático foi dar-se por conta de si
ao sentar diante do PC do escritório. Os mesmos rostos, os mesmos “bons dias”,
uma repetição que ia ser quase absoluta se não fosse pelo fato do escritório da
torre empresarial do lado estar desocupado. Um ponto vazio na vista da janela,
uma vista tão boa que qualquer ironia sobre ver só janelas e cinqüenta
centímetros do céu seria desnecessária.
Como as pessoas podem fazer sempre a mesma coisa? Já vivemos
tão pouco — pensou angustiadamente. Ultimamente nada fazia sentido, nem os
sonhos, nem os planos que fizera para alcançá-los. Porém, um dos maiores vícios
era imaginar. Lembrava exatamente do primeiro dia que isso começou e dizia para
si mesmo que lembrava qual tinha sido a primeira vez que fez isso
conscientemente. Nunca mais largou, a esse vício muitos outros se somaram e
aparentemente de nenhum se libertou.
Continuar contando seu dia seria o mesmo que matar-nos de
tédio. Sentiríamos uma dó tão grande que o assassinaríamos por pena ou nos suicidaríamos
de desgosto, todavia das opções nenhuma o salvaria. Naquele dia a única coisa
que o salvaria era ouvir. Ah! Mas para isso precisaria um milagre: deixar a
surdez. E todos sabem que milagres não existem. Ou existem?!
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